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Vivendo no Limite (1999)

Parece que os personagens da noite nova-yorkina de Martin Scorsese, tanto Frank (Nicolas Cage), como Paul Hackett (Griffin Dune) em Depois d...

Parece que os personagens da noite nova-yorkina de Martin Scorsese, tanto Frank (Nicolas Cage), como Paul Hackett (Griffin Dune) em Depois de Horas (After Hours, 1985) e Travis Bickle (Robert De Niro) em Taxi Driver (idem, 1976), parecem transitar, embora suas divergências, em uma mesma persona. Essa persona construída é entediante, mais um alguém da grande metrópole estadunidense, alienada, pouco lúcida, com problemas existenciais, e o mundo, as noites, conspirando contra os mesmos, mas também abrigando tais figuras, como vampiros condenados e abençoados com o dilema dom/maldição da eternidade.

Se em Taxi Driver havia uma relação quase visceral entre protagonista e ambiente – este nem sempre agradável, mas sempre acolhedor – em Vivendo no Limite (Bringing out The Dead, 1999), os fantasmas da noite underground da metrópole tornam-se parte literal da vida da personagem. Frank, diferente do taxista Travis, viaja entre a morte e a vida no campo imagético da alucinação e a realidade dura (de um Estados Unidos que beira ao fracasso total de seu sistema de saúde). A cena praticamente não assume um diálogo, mas sim um mandato da perdição em que se encontra cada um dos indivíduos captados pela mesma. Se as fortes cores opacas, os vagabundos, marginais e prostitutas – responsáveis justamente pela parte mais irônica do filme -, prédios despedaçados e vidas entediantes complementam a nova York dos anos 70 de Scorsese todas transitando pelo taxi de Bickle, aqui se assume uma posição degradante mais oficial.

Os passageiros de Frank necessitam a sua ajuda, mas a evitam, temem, fazendo-o assumir praticamente uma posição de “ceifador”, de testemunho de pessoas que estão entre a vida e a morte. Esse homem ocupa então um espaço especial nas sequências de Scorsese, enquanto cumpre esse papel “maligno” para si mesmo, é no fundo uma figura boa, um paramédico afinal, de salvador, praticamente de milagroso, mesmo que não seja visto dessa forma nem por ele mesmo e muito menos pelas pessoas que leva em sua ambulância, invertendo o conceito inicial que seu trabalho infere.

Ainda que, nem sempre infernal, a noite também ocupa seu charme com relação aos seus habitantes, viventes dela. O ambiente noturno, para Scorsese, parece ocupar em seu campo, duas almas através de uma mulher. Além do café que ainda mantém aqueles seres em pé, surge um romance, uma relação entre essas figuras scorsesianas e alguém que parece nesse meio obscuro e sombrio, uma luz, uma chama de esperança, mas também um delírio, uma obsessão, que se encontra numa personagem feminina. Diferente do que se pode pensar, Frank não é um homem totalmente niilista, chatos ou pessimista, existe na alma daqueles homens gravados por Scorsese, uma esperança que também se nutre através da atração por uma garota – infernais e abençoadas -, principalmente presente em Vivendo no Limite (Bringing Out the Dead, 1999), essa que ocupa uma Patricia Arquette que contracena com Nicolas Cage de forma tristemente otimista. Daí a explicação de um Cage fora dos padrões extremamente surtados, e totalmente rebeldes, que estamos acostumados a ver.

Essa fé, ainda que diferente da fé exposta em Caminhos Perigosos (Mean Streets, 1973) ocupa um lugar parecido. Charlie (Harvey Keitel no filme de 73) e Frank, além de serem mais uma representação desse dilema fragilidade/resistência, partilham também uma mesma característica em comum que parece ser escondida, ocultada pela frenética ação, seja psicológica ou literal dentro da tela. Ambos possuem uma crença forte em si mesmo que parece lhes consolar e entre outras coisas não optarem pelo suicídio – embora a fé nem sempre seja suficiente – tentando escapar e se tornarem mais um dos engolidos pelo caos urbano.

Falando também de forma popular com a própria cidade e a noite, Scorsese brinca novamente de forma “explicitamente implícita”. Frank, assim como estava Travis, está encaixado em um contexto social e político totalmente real, não apenas na representação punk das ruas de nova-york, afinal isso já se tornou marca de seu próprio diretor, mas sim de uma cidade que carece de auxílio médico, profissionalismo. Os “zumbis” que ocupam espaço no campo da imagem de Scorsese, não são apenas os drogados, viciados e marginais, mas também de quem os cuida, de quem os recebe, nessas caóticas noites, é uma troca entre auxílio de loucos para doidos. Adquire aí então o surreal, não apenas da fé, de que algum dia aquilo mudara ou melhorará, mas também do relato entre o real e fictício em choque, o delírio e a alucinação, de um homem que vive entre a vida e a morte, como todos nós, afinal.

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