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Trabalhar Cansa (2011)

Parece que o “pouco” do medo filmado pelo cinema nacional, tem uma força ou uma aparente potência maior em retratar sua própria sociedade. ...

Parece que o “pouco” do medo filmado pelo cinema nacional, tem uma força ou uma aparente potência maior em retratar sua própria sociedade. Não que no Brasil, não existam seres mitológicos ou medonhos para assustar os pobres personagens da tela grande, na verdade nosso folclore está aí para isso. Mas no entanto, a necessidade de se falar com o Brasil contemporâneo, ainda que não se tenha como o objetivo principal filmar o medo, torna-se um intenso terror, por que nada mais assusta do que saber que aquilo lá é a realidade filmada enfrentada todos os dias por milhares de brasileiros.

Marco Dutra parece encontrar em seu Trabalhar Cansa(idem, 2011) um modo de dialogar não só com essa realidade, mas sim com o seu lado sobrenatural, psicológico que favorece tanto a criação do surreal. É quando, então vemos, seus personagens opacos, filmados por sua câmera, representarem a maioria da população brasileira. De característica cinzenta, monótona, são personagens escravos da rotina, por isso a linguagem de Dutra, encaixa perfeitamente no surreal, esses personagens simplórios tornam-se como aqueles das peças de Ionesco, que parecem agir de forma inconsciente, quase como zumbis. A câmera “simétrica” de Marco Dutra, reforça à todo momento, uma padronização, desde seus cenários simples (casa e mercado) até nas posições em que seus personagens se encontram, parados, mas inquietos.

O terror de Dutra não é puramente o mal-assombrado, seu surrealismo é quem potencializa aqui a forma como sua trama movimenta. Aqui, como em Arraste-me Para o Inferno (Drag me to Hell, 2009) – ainda que a linguagem de Raimi seja bem mais distinta e autoral – o medo que provoca nos personagens, é figurado pela ação cotidiana, no filme de Raimi, só que aqui de várias formas e maneiras, a perda de um emprego, a dificuldade para se estabelecer com um novo investimento até as clássicas desavenças entre empregados e chefes, sogras e diaristas. Esse falso surrealismo que encontra abrigo nas personagens se transforma em maldição, quando então, não se trata mais de uma crise, de uma sucessão de fracassos, mas quase como uma tragédia prevista. Daí então, que temos engatilhado o assunto principal do filme de Dutra, o trabalho, que escraviza aqui os personagens pela fracassada e praticamente amaldiçoada tentativa de ganhar algo trabalhando, sobreviver.

A condução, que segue praticamente firme sob o suspense, se relaciona com o cinema de Hitchcock, mais especificamente de Shyamalan, já que sua vertente se relaciona tanto com a fé e a esperança. Seus ambientes isolados, típicos, de luzes fracas, sujeira, propiciam o teste de resistência de todos ali, desde os sorrisos e desolhares dos vizinhos, dos empregados, o típico inferno que ocorre na cabeça do homem e da mulher que vivem nessa, que denominamos classe média baixa. Otimismo ou crenças, que apenas fazem parte complementar do discurso do trabalho no Brasil e seu valor. Nesse meio todo, na selva urbana, dentre tanto rugidos de predadores, ruge implicitamente a impotência de uma presa diante do mundo.

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